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Ilanet.RobertChassellr1.14 - 26 Oct 2023 - 13:00 - GregorioIvanoff

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"Software pago é como escravidão"

Robert Chassell

02/set/2002

Texto escrito a partir de um breve "convívio" com Robert Chassell durante um evento de SW Livre no Rio de Janeiro ...

Quando Robert Chassell não está explicando alguma coisa, pergunta. E pergunta para qualquer um que fale um inglês mínimo o suficiente para respondê-lo:

O que você acha da situação argentina? Por que a carne aqui no Brasil é tão boa?

Seu olhar elétrico desliza pelos ambientes como que gravando tudo. Ele é irrequieto, move-se meio curvado com um sorriso de canto de boca escondido pelo bigode desgrenhado e com os óculos de leitura pendentes na ponta do nariz. É um curioso interessado por tudo que, nem de longe, nem de perto, parece ser um dos responsáveis pelo modelo econômico do que chamamos Movimento do Software Livre.

Muita gente abraçou esta idéia, incluídas a IBM, a Sun Microssystems, a Hewlett-Packard, a Amazon.com, além de programadores fissurados no mundo inteiro, em países tão próximos como os EUA, e distantes quanto Finlândia e China. Até porque, e Chassell faz questão de lembrar a cada momento usando o espanhol para ajudá-lo, o "free" de "free software" é o "free" de "libre", não de "grátis". E ele pensa em dinheiro o tempo todo. É como sua cabeça funciona.

Quando a conta do rodízio chega vemos que sai por R$ 42,00 para cada um. Chassell imediatamente pergunta:

"Isto é caro para vocês, não é?".

São 14 dólares para um americano e é nesta relação do dia-a-dia que ele entende como funciona a economia tupinambá. No caminho para o antigo prédio do MEC, no centro do Rio, onde ele vai dar uma palestra, passamos então por um camelô que vende DVDs piratas.

Ele procura "O tigre e o dragão" - não tem. Mas pergunta quanto sai cada disco.

"20 reais", responde o rapaz. Chassell sorri.

...

Embora ao seu redor vivam alguns dos programadores mais talentosos do mundo, como o excêntrico Richard Stallman e o discreto Linus Torvalds - que escreveu a primeira versão do Linux - Chassell não programa.

"Não como eles fazem."

Ele é economista, formou-se pela prestigiosa universidade inglesa de Cambridge e em 1986, quando a Fundação do Software Livre nasceu, foi seu primeiro tesoureiro. Trabalha lá até hoje, ajudando a divulgar a idéia em qualquer lugar onde queiram ouvi-lo.

Esta semana foi no Rio de Janeiro, no Festival do Software organizado pelo Governo do Estado.

Grátis?

O software tem seu código aberto. Pode ser baixado sem custo da Internet, programadores podem ler sua espinha dorsal e mexer nela, mas se quiserem cobrar por cópias, também podem. O preço nunca é muito alto porque, no fim das contas, todo mundo tem acesso a cópias noutro canto.

É o oposto do que faz a Microsoft que reserva para si todos os direitos sobre sua obra e cobra caro. Muito caro. É fácil entender, pois, como a Microsoft se sustenta.

Chassell retruca:

"Ninguém como um médico faz dinheiro, não é? A informação sobre a medicina é livre, qualquer um pode aprender. Mas todo mundo vai ao médico e bons médicos vivem muito bem. Se você quer que seu programa faça alguma coisa específica, então, você contrata um programador. Ou, então, você paga a ele para ter garantia de suporte quando algo vai mal."

Ele me pergunta, então, porque uma empresa grande como a IBM optaria por uma solução livre se não lhe rendesse algo.

Respondo: porque a Microsoft assumiu o negócio de fazer e vender softwares melhor e não restou à IBM outra opção.

Ele ri alto e concorda, Mas há outros motivos.

"Pense na IBM como se fosse uma empresa de aviação que faz o percurso Rio-São Paulo. Se os preços dos hotéis em São Paulo caírem, ela vai vender mais passagens aéreas porque o custo da viagem caiu. É o que chamamos de produto complementar.

A IBM vende máquinas e serviços, o produto complementar dela é o software. Então se o software custa pouco, ela vende mais. Agora, o negócio de fato da IBM é vender máquinas mais caras para quem já tem computadores. Uma vez um vendedor da IBM me contou que a maior dificuldade que ele tinha era quando um cliente perguntava sobre seus programas que já rodavam bem.

Seriam compatíveis com a nova máquina? Com o software livre, ele sabe que sim. Será o mesmo Linux e os mesmos aplicativos. Eles funcionam em tudo."

Para uma IBM o custo de contratar programadores que façam bom código e melhorem o software compensa. É pequeno.

Mesmo que este software seja depois, gentilmente, distribuído pelos cabos da Internet para quem os quiser. E, sem resistir a dar uma pontada naquela que é sua maior concorrente ...

Chassell conclui: "se você programa pensando em mostrar seu talento para ser contratado, você faz o melhor que pode; mas se você programa pensando que daqui a um ano vai ter que vender uma nova versão do software, então você tem que deixar motivos para as pessoas comprarem a nova versão - o software não pode ser o melhor possível."

Quem usa programas da Microsoft, sabe.

Facilidade de uso....

Ainda assim, pondero, Linux parece ser uma solução excelente para grandes negócios que podem contar com um time de especialistas. Não é fácil de usar como, por exemplo, o Windows. E, se é estável, o sistema MacOS que roda em computadores como o iMac, da Apple, também é. E, neste caso, qualquer um usa sem grandes necessidades de ajuda.

"No caso da Apple, ela faz o sistema e os computadores, então eles sabem todos os componentes que estão dentro da máquina, podem fazer um sistema estável. Linux é feito para rodar em qualquer computador."

Ele segue explicando que, de fato, o software livre nasceu como um movimento de programadores. "Nós sabíamos um bocado sobre como fazer código, mas não muito sobre gente." O resultado é que, no início e durante um bom tempo, era coisa para quem entendia do bordado. Mas então saca de sua carteira de CDs um disco preto da empresa alemã Knoppix.

"Meu sobrinho me deu isso de presente pouco antes de eu vir ao Brasil", explica.

Procuramos um computador - qualquer computador - por perto. Ele abre a bandeja do CD-Rom, encaixa o disco, desliga e liga novamente a máquina. O Linux lá dentro do CD descobre como por milagre onde está o mouse, a placa de som, o monitor, todas as pequenas peças que podem um dia dar problema, se configura por conta própria e abre então numa bela interface gráfica com ícones já arrumados. Chassell dispara o Netscape e entra num site.

"Vê? Não fiz nada, o Linux fez tudo e achou até como se conectar à Internet. Dá para ficar mais fácil?"

Isso feito, ele percebe que o espaço está aberto para continuar com sua visão de um mundo melhor.

"O erro do modelo do software pago", ele conta, "é que parte do princípio que a única motivação para o trabalho é o salário no fim do mês. Mas há pelo menos outras duas coisas que motivam programadores.

A primeira é o prazer que escrever código dá.

A outra é social, é saber que o que você fez vai ajudar pessoas, é construir uma reputação. O dinheiro é conseqüência. Você pode receber como Linus recebeu quando escrevia o Linux: ele era um estudante, tinha auxílio acadêmico. Ou, então, você pode trabalhar numa empresa como a IBM, ou montar sua própria empresa para distribuir uma versão de Linux e vender suporte."

Ideologia e economia ...

No Brasil, o movimento do software livre está politicamente ligado ao PT. Os motivos são históricos.

Valeu uma boa ajuda do governo do Rio Grande do Sul, onde os técnicos da empresa de processamento de dados do estado, a Procergs, estava apinhada de gente que acreditava na solução e uniu-se a cientistas das diversas universidades públicas que tinham relação com o partido. Há exceções. Em Campinas, a lei que definiu o padrão para os computadores do município foi escrita por um vereador tucano.

Numa provocação, pergunto a Chassell como ele vê a relação.

"Nos negócios costumamos nos ver com parceiros de cama inusitados", responde usando uma típica expressão norte-americana: "strange bedfellows".

"O Brasil é um país que vai dar certo", ele continua.

"Quem se preocupa com a Libéria? Com os Camarões? Ou com a Argentina?", provoca.

"Por que você acha que a Microsoft está tão empenhada, aqui, numa campanha contra pirataria?

Ora, ela incentivou que todo mundo usasse seus programas durante uns anos e aí, quando todos estavam acostumados, decidiu ganhar dinheiro. É sua estratégia.

Ela faz isso porque sabe que o mercado brasileiro vai crescer."

Então, SW Livre é de direita ou de esquerda?

"Num mercado livre e competitivo, empresários espertos não correm para o monopólio, muito pelo contrário, querem agir de maneira legal e querem garantias de que ninguém vai eliminá-los injustamente do mercado. Então se seu negócio é grande você não quer gastar muito com os programas que usa, quer que eles sejam eficientes, também não quer que a polícia entre na sua empresa e o trate como criminoso.

Sua melhor opção é o software livre.

Isso é liberalismo, então é de direita.

Agora, se você quer distribuir computadores para o maior número possível de escolas por um preço mínimo e você quer que alguns alunos se interessem em saber como eles funcionam, que aprendam como se faz aqueles programas, não uma caixa fechada, mas um código aberto, então isto é socialismo, software livre é de esquerda.

Depende de como você vê."

Para Chassell, num momento em que a economia mundial sofre fortes abalos e a crise desperta insegurança, ganha quem conseguir ampliar sua capacidade de adquirir informação.

É onde entra o software livre - ele não esconde seus segredos e abre as portas para quem quiser entender.

"Um país que dependa da empresa de outro país para manter seus computadores funcionando termina em dez ou vinte anos sem conhecimento tecnológico, dependente, se não de forma política, com certeza de forma econômica e cultural. É o tipo do discurso que os militares entendem."

Então brinca: "Neste caso é de direita, não?"

Ele é um homem de hábitos simples. Passou dois dias no Rio de Janeiro entre quarta e quinta-feira da última semana. Hospedado em Copacabana, divertiu-se pouco e conheceu da cidade o Centro. Provou caipirinha e deliciou-se com um rodízio de carne. Ficou surpreso ao descobrir que a maior floresta urbana do mundo estava a poucos quilômetros.

"Fui criado na Nova Inglaterra, em Massachussets, e temos boas florestas por lá. Antigamente eram campos.

Sei que é melhor para nós, mas confesso que gostava mais do jeito que era, gosto de andar pelo campo."

...

Tem seu próprio avião, um Cesna, que já pilotou por todos os Estados Unidos.

"É meu hobby caro."

Não seria fácil definí-lo até porque ele escorrega de qualquer pergunta neste sentido. Leitor constante da revista britânica Economist - não por acaso simpática ao movimento que ele ajudou a fundar - trata-se de um liberal no sentido mais estrito do termo.

"Acredito que as empresas devem ter o tamanho necessário para o problema que pretendem resolver", diz.

Que a informação, toda ela, deve ser livre e o trabalho, pago. "Software que custa dinheiro tem que ser abolido como a escravidão foi - é uma fase da economia que perdeu o sentido social. Empaca o crescimento, embora uns poucos continuem a defendê-lo."

É um homem de outro tempo. Veste terno à antiga, com colete e paletó, o corte lembrando aquele dos anos 1920/30. Ainda assim, numa curiosa contradição, está envolvido com a turma que desenvolve a mais sofisticada tecnologia que há. É um inglês, talvez, pelos gestos gentis, provavelmente adquiridos no tempo que morou em Cambridge. Mas, típico norte-americano, vai direto ao ponto, diz o que lhe vem à mente com franqueza.

E é, com toda certeza, um economista prático daqueles que andam por aí com um modelo de mundo na cabeça, profundo conhecedor de história capaz de citar o empréstimo que a Espanha adquiriu à banca no século 16 e deu calote para relacioná-lo à crise argentina.

Assim, olha em direção ao futuro. Em seu futuro os países são responsáveis pelos próprios recursos e negociam uns com os outros de igual para igual.

Trata-se de um futuro onde a tecnologia não desapareceu por encanto mas é de todos. Se vai dar certo? Ele não tem dúvidas.


Aprendizado e crescimento: valor social em ativos transacionáveis, modelo econômico


Palavras-chave: direitos em município, facilitadores, facilidade, economia, garantias, acesso, opções, renda


Keywords: marketing, Apple


Brasil: mercados dinâmicos no Brasil


Resultados: mercado livre e competitivo, software livre

-- GregorioIvanoff - 07 Jul 2003
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